
Corria
o ano de 1965. Estávamos no 5º ano da Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade do Maranhão. Nossa turma era pequena. Éramos apenas vinte e um
alunos. Um deles era Rodrigo de Sousa Pinto, o Rodrigão, que sempre se
apresentava como “Rodrigorum vostrorum amigorum”. Gente muito fina, boa praça,
bom papo, sempre alegre e bonachão.
Não
tinha a virtude dos bons alunos, mas não era relaxado. Estudávamos em grupo e
Rodrigão sempre estudava bastante. Com algumas dificuldades, ia passando de
ano. Era expert em provas de segunda época. Tirava de letra.
Nas
provas finais daquele ano, algo inusitado ocorreu com Rodrigão, na de
Obstetrícia.
A
prova era prático-oral. Local: Maternidade Benedito Leite. Na vez de
Rodrigão...
-
Seu Rodrigo, perguntou-lhe o professor, de quanto você está precisando para nos
deixar em paz?
-
Que é isso, mestre, eu gosto muito de suas aulas. Mas como o senhor está
perguntando 6 (seis) já me é suficiente.
-
E você estudou bastante?
-
Como soe acontecer, meu mestre, não desgrudei a vista do “Resende” (livro de
Obstetrícia) à noite toda. Tô com tudo, na ponta da língua.
-
Então, vamos lá.
-
Pra onde, mestre?
-
Pra parte alguma. O sr. quer brincar comigo, seu Rodrigo?
-
De que, mestre?
-
Seu Rodrigo, não me tire do sério, seu Rodrigo.
-
Mas de jeito algum, meu caro professor. É o nervosismo.
-
Ah! Bem. Vamos ver se estudou mesmo como diz. Diga-me o que é aborto.
-
Ah! Professor, nem me fale. É algo horrível, penoso. Eu mesmo nunca vi um, mas
imagino a dor que a mulher deve sentir. E a criancinha, o senhor já imaginou?
Nelson
Parada, Israel e Weber não paravam de rir.
-
Seu Rodrigo, não me faça perder a paciência com o senhor.
-
Que é isso, professor, se o senhor acha que não dói, eu retiro tudo que eu
disse. Vamos esquecer essas particularidades.
O
professor levou, então, Rodrigão para o leito de uma senhora que estava em
trabalho de parto.
-
Diga-me, quantos meses faz que esta mulher ficou grávida.
-
Professor, eu não gosto de me meter na vida particular de ninguém. Isso é
segredo dela com o marido. Mas se o senhor faz mesmo questão de saber, pergunte
pra ela. Não me meta nisso, professor.
-
Ah! Seu Rodrigo, o senhor é um caso perdido. Vamos à última pergunta. Vou
fazê-la de outra maneira. É dez ou zero.
-
Quanto tempo tem a gestante?
-
Qual delas, mestre? A mulher estava morta de rir.
-
Essa senhora aí na sua frente.
-
Bem, vejamos. Rodrigão olhou por uns tempos para a mulher, ficou pensando
alguns segundos e disparou....
-
Meu caro professor, após examiná-la, minuciosamente, cheguei à conclusão de que
ela deve está beirando a casa dos 40 anos. Acertei?
-
É zero, seu Rodrigo.
-
Mas, professor, onde foi que errei?
-
Seu Rodrigo, eu lhe perguntei qual o tempo de gestação desta senhora.
-
Ah! Professor, se o senhor tivesse me perguntado o tempo de evolução fetal, eu
lhe diria que ela estava na 36ª semana, completando, portanto, os 9 meses, por
isso estava entrando em trabalho de parto.
-
Pois taí, seu Rodrigo, você é um gênio. Sua nota é 7.
-
Só, professor? Mas já dá pra passar. Bem que o senhor reconheceu meus dotes.
A
risada foi geral. Rodrigão, após as outras provas, foi concluir o sexto ano que
correspondia ao estágio, no Rio de Janeiro. Nunca mais o vi, mas também nunca
mais esqueci da prova de Obstetrícia de “Rodrigorum vostrorum amigorum”, o
Rodrigão.
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