A CAPELA DE DONA FAUSTA
(Mauricio Gomes Alves, APLAC)
O mensageiro bate à porta da Prefeitura, levando o bilhete com a resposta do Dr. Elisabetho Barbosa de Carvalho, juiz de direito, ao Prefeito Josias Peixoto de Abreu:
– Dr. Josias, dia 30 de março de 1923 marca o terceiro aniversário da cidade de Pinheiro, porém é sexta-feira santa. As festividades ficam melhor no domingo de páscoa.
Chega a Páscoa e dona Fausta Soares Barbosa de Carvalho, de mãos dadas com seu esposo, o Dr. Elisabetho, se junta ao povo na saída da Matriz de Santo Inácio, após a missa. Todos se congratulam na Praça da República, enquanto explodem no ar os foguetes de varinha fabricados por João “Doidinho”. O prefeito saúda o juiz, dando a notícia que dona Fausta tanto espera: a sanção da Lei 28/1923, nos próximos dias.
– Dr. Elisabetho, a Câmara aprovou a doação do terreno em volta da tapera do que restou da capela que há na Praça da Independência. Dona Fausta poderá construir a capela que tanto almeja.
– Dr. Josias, o senhor quis homenagear o centenário da independência da nação, em setembro de 1922, o que é louvável. Porém ali continua um cemitério, algumas covas ainda estão protuberantes. Se a Rua Grande prosseguisse, ali ficaria perfeito para a Praça do Centenário da Independência. Uma ponte por cima do córrego da baixa da Glória é suficiente para que a rua continue na outra margem. Basta tirar aquela touceira de tucum à direita de quem vai no sentido Pacas; ela é tão grossa que dez homens não abarcam e isso enfeia a cidade.
– Dr. Elisabetho, sua ideia é boa! O senhor só esqueceu que naquela touceira, todo meio-dia, Currupira assobia. Não tem cristão neste mundo que se atreva passar por ali perto do meio-dia. Pelo menos no velho cemitério, as almas são cordatas e não assombram ninguém.
– Dr. Josias – diz o velho Elisabetho de forma sisuda, mas com leve pilhéria – hoje é primeiro de abril. Mas como o senhor é homem de palavra, essa doação será mais real que esse Currupira.
Os cavalheiros sorriem, quando piedosamente dona Fausta diz que a restauração e ampliação da capela do velho cemitério é uma forma de sufragar aquelas almas, e exclama:
- Nossa Senhora dos Remédios há de rogar pelos mortos no dia de finados e pelos vivos, dia 21 de novembro, que é o dia dela.
Os dias passam, chega o desfile da Independência do Brasil, e o Josias Abreu, preocupado com a palavra que empenhou, encontra o Juiz Elisabetho no desfile cívico de sete de setembro e fica deveras constrangido. No dia seguinte, o prefeito se desdobra junto a Câmara Municipal e sanciona a Lei 28/1923, mandando o mensageiro depressa levar uma via para ser publicada.
Dona Fausta não se contém de alegria ao ver a Lei 28/1923 no jornal Cidade de Pinheiro e arregaça as mangas. A capela do velho cemitério começa a ganhar novo aspecto. A construção ainda está por acabar e o povo logo apelida de Capela de dona Fausta, em razão dos esforços que empreende para concluir a Capela dos Remédios, que começa a ofuscar a igreja de Santo Inácio. Apesar do hálito da morte ainda pairar em volta, por conta das covas e cruzes que ainda testemunham o passado do local, oitizeiros enfileirados são plantados em substituição à velha cerca de arame da frente do Campo Santo.
Chega o ano de 1929, a cidade cresce, o passar do tempo aplaina o terreno e poucas covas ainda se percebem. A capela ainda precisa de acabamentos, porém já tem telhado, porta e janelas. A devoção de sua dona tem pressa, nesse mesmo ano é feita a procissão de Nossa Senhora dos Remédios, com a imagem que mandou trazer do Recife, e a alegria daquela expressão de fé se manifesta em cânticos e ladainhas, ganha os ares e explode nos foguetes de varinha feitos por João Doidinho.
(Dona Fausta em seu féretro - arquivo Sandra Mendes)
Mas no ano seguinte, a Capela volta a sua vocação primeira, de local fúnebre. É que dona Fausta adentrava o recinto, em um caixão, e depois de algumas preces, é levada a pulso para o cemitério Santo Inácio, deixando para trás a semente de uma devoção plantada na capela, pendente de acabamento. A obras cessam sem dona Fausta. Todas as atenções se voltam para a reforma da Matriz de Santo Inácio, conduzida por Pe. Newton Pereira.
A passagem do tempo deteriora o telhado, e a imagem de Nossa Senhora dos Remédios ganha novo altar na igreja de Santo Inácio, concluída em 1939. A devoção à Virgem dos Remédios resiste forte, no novo endereço, até que, na madrugada de 15 de agosto de 1946, os padres italianos, Missionários do Sagrado Coração, que aportam na Faveira, ao entrarem na Matriz, se prostam reverentes e a invocam como “Nostra Signora del Sacro Cuore”.
O tempo avança e a Rua Grande atravessa o tucunzal, seguindo na direção de Pacas, como estrada de carroça; o Currupira é despejado de sua touceira e surge a Praça do Centenário de Pinheiro. O barulho do progresso abafa os assobios do Currupira, pavimentando a Rua Grande até o Fomento; aos poucos vai desaparecendo os vestígios do velho cemitério e a Igreja dos Remédios cada vez mais parece condenada a se tornar uma tapera, igual a primitiva capela. Apesar da precariedade da Capela de dona Fausta, é a igrejinha de São José, no Fomento, que desaba matando uma criança.
O Pe. Risso reconstrói a igreja de São José e imbuído desse ânimo construtor, o padre italiano faz a réplica de uma igreja italiana na frente da Capela de dona Fausta, deixando a antiga construção como anexo, para sacristia. Concluída a obra, a devoção a São Benedito se instalou no templo, mas, se a Paróquia é do São Benedito, a igreja sempre foi de Nossa Senhora dos Remédios e, mesmo sem novena ou procissão, aos que tem fé, e que lá clamam pela Virgem dos Remédios, são atendidos, especialmente se os seus rogos são feitos na sacristia, em cujas paredes está impregnada dessa devoção.
A Lei Municipal nº 28/1923, em plena vigência, dá testemunho dos rogos de dona Fausta, da generosidade de Josias Abreu e da força de uma devoção que lançou as bases de uma capela que se tornou igreja e que, desde 15/12/2013, se instalou a Matriz da Paróquia de São Benedito e onde desde o princípio, Nossa Senhora dos Remédios foi invocada para rogar pelos mortos no dia de finados, e pelos vivos no dia 21 de novembro.
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