JOSÉ PAULO ALVIM EM CRÔNICAS: O TOQUE

 O TOQUE

(Aymoré Alvim, AMM, APLAC, ALL).

 

Tibúrcio era um pequeno agricultor que morava, nas proximidades do Outeiro de São Carlos, do outro lado do Rio Pericumã.

Em certo dia, apareceu, na Farmácia da Paz, para falar com meu pai...

- Bom dia, seu Alvim, desejo ter um particular com o senhor.

- Bom dia, Tibúrcio. Entra pra cá. O levou para o seu escritório que ficava na parte interna da Farmácia.

- Seu Alvim, ultimamente, ando urinando muitas vezes de noite e com muita dificuldade. Quando não é fininho, é em gotas e arde muito. Já bebi muito chá de “quebra-pedra” e até “garrafada” e nada de melhorar. A coisa fica ainda pior depois das funções com a patroa.

- Tibúrcio, tu já tiveste doença do mundo?

- Pra lhe ser sincero, não. Eu vivo, há muito tempo, com a patroa e tenho uma caboclinha que toma conta de uma venda que tenho perto do Rio da Prata.

- Então, Tibúrcio, isso deve ser inchação na goiaba.

- Só pode ser mesmo, seu Zé, porque eu sinto o “apertume” lá na raiz do pau.

- Mas é, Tibúrcio, para essa doença não tem jeito aqui em Pinheiro. Tu vais para a Capital e lá procuras o Dr. Guilherme Macieira, no Hospital Geral, que trata dessas coisas de uretra.

Tibúrcio, então, partiu para a capital. Hospedou-se numa pensão à Rua Jacinto Maia e, no outro dia, foi ao Hospital Geral. Marcou uma consulta com o Dr. Guilherme e esperou.

Daí a pouco, foi chamado e relatou o seu caso ao médico.

Após as perguntas de praxe, Dr. Guilherme chamou o auxiliar de enfermagem que trabalhava com ele quando o paciente era homem.

- Climério, prepara o Tibúrcio lá dentro que eu vou já.

Climério o levou para a sala de exames e ao chegar...

- O senhor vai abaixando as calças, fique de boi em cima desta mesa e empine o trazeiro.

- O que, sô? Eu não sou homem dessas liberdades, seu moço. O senhor me respeite que eu sou um homem velho e tenho idade pra ser seu pai. Onde já se viu uma coisa dessa?

- Seu Tibúrcio, se acalme. Não é pra mim e pro Doutor.

- Seja pra quem for, rapaz. Eu nunca fui dado a essas liberdades na minha vida.

Atraído pela confusão armada por Tibúrcio, entrou na sala o Dr. Guilherme.

- Mas, Tibúrcio, você ainda não está no ponto?

- Não faça isso comigo, seu doutor! Eu sou um homem de bem, nunca ninguém passou a mão ou usou meus “quartos”.

Dr. Guilherme sempre muito brincalhão: Cuida logo, Tibúrcio, todos dizem isso.

Não prestou. Tibúrcio se espalhou na sala que deu luta para acalmá-lo. Por fim, Dr. Guilherme conseguiu convencê-lo a fazer o exame.

- É, Tibúrcio, tua próstata está bem grande. Vamos ter que te operar.

- Dr., eu só vou a Pinheiro buscar um dinheirinho porque vim meio desprevenido.

Acertado tudo, seu Tibúrcio partiu. Ao chegar a Pinheiro foi aonde meu pai.

- Como é, Tibúrcio, correu tudo bem?

- Seu Alvim, eu só não gostei do sujeito bulir nos meus “quartos”. Aquilo não se faz com homem sério.

- Deixa de ser besta, Tibúrcio. Aquele exame que o doutor fez é o TOQUE. Serve para verificar as condições e o tamanho da goiaba.

- Mas ele falou num outro nome bem encrencado, diferente desse que a gente conhece aqui.

- É próstata, Tibúrcio. Quando tu voltas para operar?

- Eu vou primeiro arrumar um dinheiro pras despesas. Mas dessa vez eu levo a patroa. Se só pra esse exame foi esse vexame todo, imagina essa tal de operação?

-Tibúrcio, isso é coisa séria, por isso é bom não demorar, senão tua uretra fecha e aí vai ser pior.

- Tá certo, seu Alvim. Até breve.

- Até.

Mas seu Tibúrcio não voltou e com menos de um ano faleceu. Pelo que a mulher contou ao meu pai, tudo indica que foi câncer de próstata.

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OBSERVAÇÃO: José Paulo de Carvalho Alvim (Zé Alvim), é patrono da cadeira de número 3 da APLAC, que teve por primeira ocupante, sua filha, a especialista em parasitologia, a saudosa Moema de Castro Alvim. Farmacêutico nascido em 10/01/1981, em Codó-MA, radicado em Pinheiro-MA, onde fundou a Pharmácia da Paz, a única da região no início do século XX, que tantos pinheirenses socorreu. Por ocasião da aproximação dos 130 anos do seu nascimento, publica-se uma série de crônicas feitas pelo acadêmico Aymoré Alvim (filho de Zé Alvim), as quais fruto do convívio familiar e da observação do exercício profissional  paterno. São reminiscências que revelam costumes, cenários e particularidades de um povo e de uma cidade, quando ainda era Vila de Santo Inácio do Pinheiro.

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